Luxo como Direito: A Mulher Negra Redefinindo Espaços de Poder

 Entre resistências e conquistas, o acesso ao bem-estar e ao luxo afirma-se como um ato legítimo e político para a mulher negra.



O consumo de luxo por mulheres negras ainda é um território complexo e, muitas vezes, desconfortável. Embora estejamos falando de um grupo cada vez mais qualificado e com poder de compra, as marcas, os espaços e a sociedade ainda não estão preparados ou dispostos a acolher essa presença de forma plena e respeitosa.

Precisamos falar sobre as raízes desse incômodo, e os desafios para superá-lo e, sobretudo, afirmar que o bem-estar, o conforto e o luxo são direitos legítimos para todas as mulheres negras.

A herança histórica que pesa


Durante séculos, a população negra foi excluída dos espaços de poder e riqueza. O racismo estrutural reforçou estereótipos que associam o luxo à branquitude, criando uma barreira simbólica que deslegitima o desejo e o direito da mulher negra de consumir conforto e bem-estar, além disso, as mulheres negras, em sua maioria, ocuparam e ainda ocupam os postos mais precarizados no mercado de trabalho, com menor acesso a salários justos, à ascensão profissional e ao crédito.

A ascensão é real, mas a barreira cultural persiste

Apesar desse cenário histórico, é importante destacar: há um número significativo de mulheres negras que hoje possuem poder de compra. Muitas são altamente qualificadas, com formação acadêmica sólida e atuantes em diversas áreas profissionais.

Entretanto, mesmo essas mulheres seguem encontrando ambientes que não as acolhem no mercado de luxo, seja na compra de produtos, seja na contratação de serviços. O racismo cultural que persiste como norma social cria um sentimento de não-pertencimento, a solidão social e, consequentemente, alimenta a culpa: será que posso mesmo? Será que esse espaço é para mim?

A desumanização por trás da figura da "guerreira"

Outro fator importante nesse contexto é a glamourização da mulher negra como “guerreira”, embora, à primeira vista, soe como um elogio, esse imaginário desumaniza: a “guerreira” não chora, não sente dor, não pede ajuda, não quer ou não precisa de conforto.

Essa ideia impede que muitas mulheres negras se permitam relaxar, se cuidar, se priorizar. O consumo de luxo, nesse cenário, é visto quase como uma traição à imagem da mulher forte, resiliente e sempre disponível para os outros.

Mas é preciso afirmar: todas as mulheres negras têm direito ao descanso, ao autocuidado e ao prazer, inclusive (e principalmente) através do consumo do que lhes traz bem-estar, conforto e alegria.

O mercado de luxo e a ausência de representatividade

Por muito tempo, o mercado de luxo não dialogou com a estética, os corpos e as narrativas das mulheres negras,as campanhas publicitárias, os espaços de consumo e os símbolos de status foram marcados pela exclusão e pela homogeneidade racial.

Só recentemente algumas marcas começaram a perceber a potência desse público, mas ainda há um longo caminho até que mulheres negras se sintam verdadeiramente acolhidas nesses espaços, sem julgamentos ou olhares atravessados.

Como romper esse ciclo?
No nível pessoal:


Fortalecer a autoestima e reconhecer que o luxo e o bem-estar são direitos legítimos.
Desconstruir a figura da “guerreira” como única possibilidade identitária.
Construir redes de apoio com outras mulheres negras que compartilhem valores e experiências.

No nível coletivo e social:

Valorizar e fortalecer o empreendedorismo negro, especialmente feminino.
Exigir mais representatividade e autenticidade do mercado de luxo.
Apoiar políticas públicas que promovam a equidade racial e econômica.
Apostar na educação antirracista para transformar os imaginários sociais. 

O consumo como um ato político

Consumir, para a mulher negra, pode e deve ser um ato político: um gesto de afirmação de existência, de autocuidado e de resistência.

Que
, cada vez mais,  possamos nos permitir, ocupar espaços de conforto, luxo e bem-estar ,não como exceção, mas como um direito inegociável, porque viver bem também é um ato político e revolucionário.
Por Raka Costa